sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Se Oriente, rapaz!

Um de meus primeiros contatos com o bairro da Liberdade foi nossa ida ao saudoso Teatro São Paulo, por volta de 1957. Fomos, minha mãe, irmão e eu à então bela Pça. Almeida Jr., hoje parecendo torada ao meio por uma foice.

A peça era “O Tempo e os Conways”, de J. B. Priestley. Nessa curiosa obra, havia uma inversão: o 3° ato tornava-se o 2º, e este ficava para o final. Assim, no meio da peça já se sabia o que iria acontecer, e o final ficava com as expectativas das ilusões, já ironicamente frustradas.

Brincadeiras com o implacável Tempo, que por sua vez diverte-se conosco, pois sempre leva a melhor. A Liberdade...pouco depois arranjaria lá um de meus primeiros empregos, um meio período numa pequena firma de desenhos animados, dos sócios Nanini e Spada. Ficava numa sobreloja, quase no final da R. da Glória.

Descia do ônibus na Pça. do Patriarca, e aí tinha de decidir-me: 
de bonde ou a pé? 
A pé, sempre se economizaria uns trocados, mas talvez o ganho virasse prejuízo, pois lá se iam as solas dos sapatos. Descia a R. da Glória, vendo na passagem à direita uma curiosa loja de aparelhos científicos, retornas, provetas. Passava pela já citada Pça. Almeida Jr., e estava quase no trabalho.

Saí dali algum tempo depois e meu próximo contato com o bairro foi por meio de meu amigo Shimamoto. Para lá fomos, Shima, Lyrio Aragão e eu, companheiros de trabalho no Martinelli, para assistir no Cine Niterói, R. Galvão Bueno, um filme de samurai. 
Era sobre o famoso daimyo (senhor feudal) Nobunaga Oda, a quem os antepassados do Shima haviam servido como samurais, no Japão do século XVI. Hoje, em lugar do cine, há um supermercado oriental.

Nosso bom nissei depois nos levou ao primeiro contato com a comida japonesa. Uns motis e mojus, bolinhos de arroz e feijão, numa vendinha da R. dos Estudantes, quase em frente ao Beco dos Aflitos, com sua igrejinha centenária ao fundo.

A Liberdade sempre me pareceu exótica e fascinante, com suas lojas, restaurantes, e odores de comida. Bem no Largo havia um restaurante chinês, com seus patos laqueados dependurados na vitrina. As escuras livrarias, com livrinhos coloridos e mangás indecifráveis. Na esquina com a R.dos Estudantes, a Tsuruya No Futon, ou seja, Casa Grou de Acolchoados, muito tradicional.

Na esquina da Vergueiro a estranha Igreja dos Enforcados, pequena, escura, com centenas de velas iluminando o soturno ambiente. Logo à frente, no Lgo. da Pólvora, a curiosa estátua do porquinho sendo agarrado por dois meninos, que hoje está no Ibirapuera.

Por algum tempo, essas foram visões só de passagem, clicadas do bonde que subia a Vergueiro. Eu não tinha muitos motivos para voltar à Liberdade, mas isso iria mudar. 

Nos anos 80 passei a me interessar pela filosofia do oriente, pois já muito antes admirava sua arte. Começou então minha “fase zen”. Quem diria que um dia eu iria vestir o branco kimono e o negro hakamá(calça larga), como um samurai daqueles filmes, empunhando uma espada de bambu? Coisas do Tempo... mas isto é já uma outra história.

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