sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Se esta rua fosse minha

Há algum tempo, o Sr. Johannes Luyten escreveu sobre sua rua de infância, e instou outros colaboradores a fazer o mesmo. 
Não posso fazer estritamente isso, pois nasci em Piracicaba, creio que na R. Morais Barros, velha ladeira que desemboca quase no Salto.

E nem morei lá, com dois anos de idade já começamos a nossa Via Crucis por diversas cidades, para onde meu pai era transferido. Assim, muitas ruas cruzaram minha infância, e a principal delas foi a Av. da Saudade, em Campinas. Mas existiu em São Paulo a minha primeira rua, simpática e inesquecível.

Isto foi no ano de 1946, quando meu pai foi chamado a trabalhar no Instituto Biológico. Assim, por um ano desfrutamos da então agradável cidade, que antes fora somente ponto de visita aos parentes daqui.

R. Vitorino Carmilo. Estreita e aprazível, situa-se na Barra Funda, sendo paralela à movimentada rua do mesmo nome. Ali nos instalamos numa pensão familiar, pequeno sobrado com jardim, que lá está até hoje, formando um conjunto com seus vizinhos semelhantes. Coisa de rua inglesa, difícil de ainda existir na São Paulo atual.

Nossa janela dava para frente, e todas as manhãs a ruazinha modesta e arborizada era acordada por um pastor de cabras e seu rebanho, tilintando seus chocalhos.
Não me lembro de ter provado tal leite, mas devia ter uma freguesia certa. Quase em frente, o Grupo Escolar Antonio Prado, onde tive meu primeiro contato com as tradicionais carteiras escolares da época. 

Mas eu já sabia ler quando lá entrei, e a ingênua professora pensava que eu decorava as leituras. Teria que ter, para isso, uma memória prodigiosa. Mal sabia ela que há um bom tempo tinha contato com os livros de Lobato, e nessa mesma pensão estava lendo “A Chave do Tamanho”, livro um tanto pesado e trágico, para uma criança pequena.

Na cidade quase desconhecida, amigos e brincadeiras limitavam-se ao pátio da escola, ou com meus primos na casa de minha tia Zilda, que morava no 272 da R. Albuquerque Lins, defronte ao Cine São Pedro. Ali era o ponto central da grande família de minha mãe.

Mas lembro-me que meu pai nos deu, a meu irmão e a mim, aeromodelos comprados na Casa Aerobrás, que ficava na Sete de Abril, atrás do Mappin. Nós éramos, como meninos da Segunda Guerra, fanáticos por aviação. Creio que meu avião era um AT–6, famoso aparelho de treinamento. 

Não voava, mas era muito bonito e colorido, com as estrelas verde-amarelas da FAB. Já o de meu irmão era mais simples, e leve, e voava movido a elástico. Íamos brincar de pilotos na ruazinha deserta. O de Ivan acabou-se espatifando nas árvores da Chácara Prado, atrás da pensão. O meu também acabou-se estragando, sem nunca ter alçado vôo.

Nossa grande diversão era ir ao belo Centro, limpo e tranqüilo. E, para nós, as grandes atrações eram suas lojas e as “leiterias”, num tempo muito distante de nossos fast foods. 

No corredor da pensão, a caminho de nosso quarto, a famosa estampa do Anjo da Guarda velava crianças que cruzavam uma pinguela, e esperávamos que sua proteção se estendesse a nós. No refeitório, asseado e calmo, puxando bem pela memória, lembro-me tomando refeições. Mas não de nenhum outro hóspede, seríamos os únicos inquilinos? 

No final do ano, retornamos a Campinas, com meu pai de volta ao Instituto de Sericicultura. Nem imaginava que, um dia, também eu viria batalhar pela vida, na nossa grande cidade.

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