sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Bota uma meia-sola!

Sempre apreciei bons calçados. Fetiche, dirão alguns. Mas tenho outra explicação, que vem de minha adolescência. Em verdade, é sempre fácil para a gente achar uma explicação, como fazia Freud. Mas creio ter minhas razões. Em Campinas, quando freqüentava o mais venerável e tradicional colégio público da cidade, as finanças da casa iam mal, não correspondendo a tanta pompa e circunstância.

Então, meus pais compravam-me sapatos com um nome armênio, Bogosian, Kherlakian, algo assim. Os benditos sapatos, de qualidade duvidosa, não podiam pegar uma chuva que a sola, mais parecendo papelão, inchava e começava a se desgastar rapidamente.
Para agravar o processo, eu muitas vezes descia do bonde na praça central e seguia a pé para casa, talvez uns dois quilômetros distante. Logo surgiam buracos na sola, como nas ruas paulistanas. E o remédio era colocar um forro de jornal dentro, para o vexame não ser total.
Por isto, assim que tive melhores condições financeiras comecei a comprar não só belos calçados, mas boas roupas. 

Lembro-me que nos tempos de colégio, em São Paulo, para aumentar 
a durabilidade, costumava-se colocar uma chapinha na ponta. Então ficávamos todos parecendo sapateadores da Broadway, tilintando a cada passo. 

Outro costume da época era botar uma meia-sola, para salvar o calçado. Nunca gostei disso. Ficava aquela emenda no meio da sola, e o sapato, reconstituído, nunca mais ficava o mesmo. Mas havia muitos sapateiros naquela época, e com certeza cheios de clientes. Não faziam mais sapatos e botas, como outrora, mas consertos não lhes faltavam.

As coisas mudaram muito. Acho que um dos primeiros sinais foi o Vulcabraz, com sola de borracha indestrutível. O sapato acabava, mas não a sola. As solas de borracha foram virando maioria, mesmo em calçados finos. Depois veio a invasão dos tênis, abandonando as quadras e congestionando as ruas. 

Assim, o trabalho dos bons sapateiros foi ficando mais limitado, e suas oficinas mais raras. Mas ainda subsistem, sempre há um conserto a fazer, um salto ou fivela a substituir. Eles continuam, e creio que até bem.

E a meia-sola? Deverá haver, certamente, ainda quem mande colocar. Lembro-me de meu amigo Sylvio, “A Velha Serpente”, de quem escrevi neste site. Ele, apesar de riquíssimo, em certas coisas era parcimonioso para gastos. Havia comprado na R. Maria Antonia, perto de nossa agência, uns esplêndidos mocassins, fabricados por um espanhol. Anos mais tarde, continuava usando esses mesmos calçados, ou os descendentes deles.
Certa vez em que lhe dei carona para casa, os ditos cujos necessitavam reparos. Ele, morador nos Jardins, tinha ido ao Shopping Iguatemi, providenciar o conserto, mas pediram-lhe uma fortuna para trocar a sola. Indignado, recorreu à sua empregada, moradora de um mal afamado e distante bairro de nossa periferia.
- Quem sabe lá eles dão um jeito, disse. Afinal, são especialistas em buracos, assim que vêem, sabem se foi de 38, 45 ou 9 milímetros! 

É isso, bom e saudoso amigo. Continuaremos colocando meia-sola, senão nos sapatos, com certeza no incerto dia-a-dia de nossas vidas. Caminhemos!

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