sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A cova das serpentes

Demorei a conhecer o Butantã. Eu o havia visto, em criança, numa foto, talvez de uma coleção de figurinhas, com o serpentário cheio daqueles curiosos "cupins" de cimento, e achei muito interessante. Mas, mesmo morando em São Paulo, passou-se bom tempo até que resolvesse visitar o lugar. Provavelmente por não ter ainda carro.

Lembro-me certa vez em que fomos visitar meu irmão, que então morava no Jardim Bonfiglioli. Na volta, já noite, não sei por que o ônibus veio por dentro do Butantã, saindo pela Cidade Universitária. Passou pelo serpentário, pela aléia central... Não deu para ver quase nada, mas não esqueço a ocasião.

Quando finalmente o visitei, fiquei apaixonado. Um dos mais belos e íntegros parques de São Paulo, com suas construções antigas mantidas, monumentais prédios como não se fazem mais. A casa sede da Fazenda Butantã, onde tudo começou, baixa e colonial, ainda com raspador de lama e argolas para prender cavalos à porta.

O museu, que em meio às diversas espécies de cobras, algumas delas gigantescas sucuris, sapos, aranhas e escorpiões, mantinha - não sei se está lá até hoje - um boião com um pé necrosado, vítima de terrível picada.

Certa vez levei lá minha filha pequenina, teria seus três anos. Quando deparamos com ao horrível frasco, disfarcei e puxei-a para longe. De nada adiantou: chegando em casa, pôs-se a desenhar, artista precoce que era, um vidro com um pé dentro.

- Que é isto, filhinha?

- Pé fedido!

Com criança, não tem mesmo jeito...

Mas falava da beleza e relativa tranquilidade do local, coisa difícil de encontrar numa cidade em que tudo vira megaevento, e foco de multidões.

Não ali, pode-se ainda andar tranquilamente e sem cuidados. A escadaria de um de seus edifícios neoclássicos, com vasos, já centenários, com cabeças de bois, cães, cavalos, porcos... Sua aléia central, hoje, um domingo especialmente belo, com as quaresmeiras espantosamente floridas, em vários tons de roxo e rosa.

Ali perto, o museu com as antigas cavalariças, os coxos, as salas com os velhos móveis e instrumentos de pesquisa, feitos artesanalmente. Tudo ali, como se Vital Brasil em pessoa ainda trabalhasse. Mas o Butantã não fica na nostalgia, é um dos mais importantes institutos de pesquisas biológicas do mundo.

O macacário, que sempre achei meio deprimente, estava fechado para reformas. Espero mesmo que os pobres Rhesus consigam ter um lugar condigno com sua nobreza, pois afinal fazemos parte da sua árvore genealógica, onde eles ainda macaqueiam.

Quando quero ter natureza, próxima, agradável e propícia à meditação, é ao Butantã que vou, não ao Ibirapuera nem à Aclimação. Menos ainda ao Villa-Lobos.

Equivale a uma volta ao passado, mas um passado bom, digno, e eficiente... uma São Paulo que ainda é o que sempre deveria ter sido.

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