sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Praça Marechal Deodoro, revisitada

Tenho várias lembranças da Praça Marechal Deodoro, em diversas épocas. Mas nenhuma de períodos mais recentes, quando ela virou um ocasional lugar de passagem.
Nem sempre foi assim. Vejo-a como um ponto central, o coração da difusa região, uma colcha de retalhos de Santa Cecília, Higienópolis, Barra Funda e até Perdizes.
Ali, no seu complexo monumento ao Marechal, morre a Av. São João. Vem-me um conjunto de flashes desconexos, diurnos e noturnos dali. Não saberia encaixá-los todos, como um quebra-cabeças.
Só me resta focalizá-los como numa lanterna mágica: surgem durante um instante, da escuridão e lentamente se apagam.
Pois foi justamente algo assim que vi certa vez num daqueles quarteirões, quase na esquina da Albuquerque Lins, no lado Barra Funda da Praça. Num terreno estreito e escuro, abrigando alguns jogos e diversões. Não lembro dos outros, mas certamente de um aparelho, aparentado com a primitiva lanterna mágica. Um kinescópio, talvez?
Um cilindro vertical, ancorado no chão: punha-se uma moeda e olhando-se pelo visor, uma cena, um pequeno filme em preto e branco, animava-se lá dentro. Coisa que mais parecia ligada não ao século passado, mas ao retrasado, tempo dos irmãos Lumiére.
Na esquina da Albuquerque, a Padaria Palmeiras. Existe até hoje, mas não sei se fazem as maravilhosas empadinhas de palmito com que íamos nos deliciar.
Na esquina oposta, uma pequena drogaria, ou perfumaria, tendo na vitrine uma miniatura da Vênus de Milo, exibia na parede a parábola ilustrada dos dois burrinhos, que puxando em direções opostas, não conseguiam mover a carroça do lugar, até que unem seus esforços...
Passemos á praça. Outra estátua, bem mais simpática, entre as árvores e bancos, depois da Av. Angélica: um índio, numa prova de força com um tamanduá. A praça era muito tranqüila e agradável, mesmo à noite.
Encarando a lateral do tamanduá, o confortável Cine Plaza, a que fui umas poucas vezes.
À noite, entra um cordão de Carnaval: o povo apinhado nas calçadas e lá vem o bloco, com seus truculentos abre alas. Ô abre alas, que eu quero passar!
Junto às paredes, bancas vendiam confete, serpentina e grotescas máscaras de papel machê, com fálicos narigões.
Mais abaixo, todo domingo tinha espetáculo no Circo Piolim.
Lá vinha ele, imenso colarinho branco sobre o fraque, nariz de bola e um bengalão. Estava sempre em conflito com o autoritário Tony, o palhaço branco, símbolo do poder e da disciplina.
Certa vez, numa pantomima, Piolim “morria”, para reaparecer como um fantasma, sob um lençol branco. Confesso que fiquei apavorado!
Numa outra época, o lugar do circo é agora um descampado. Na sua orla, esquina com Lopes de Oliveira, uma grande loja de plantas e vasos.
Na quadra anterior, uma loja expunha suas Mercedes Benz, e eu já as admirava por suas linhas sóbrias e elegantes, ao contrário dos espalhafatosos carros americanos.
Por ali ficava a Pizzaria Solar, em que fizemos nossa modesta despedida do colegial.
E a Casa Whisky? Como pudemos deixá-la de lado? Falha nossa, mas 
não sei porque, jamais provei seus famosos sorvetes.
A praça se afunila, está chegando a seu final. Logo à esquerda, quase no final da Gabriel dos Santos, ficava o Colégio de Aplicação, onde estudei. Hoje é outro estabelecimento de ensino, mas a estrutura é idêntica.
Pegado a ele, ficava o magnífico Cine Santa Cecília, que resistiu 
até o início dos anos sessenta. A Av. Olímpio da Silveira segue, em largas passadas, direção à Àgua Branca. Um Minhocão passou por cima de todas essas lembranças, e a praça nunca mais seria a mesma. E nem a cidade.

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