sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O siciliano e o cíclope

Angelo nascera na Sicília. Bem diferente do que se poderia imaginar, à menção de sua origem, era ruivo, sardento e de olhos azuis. 

E um tremendo gozador, nada tendo do soturno Don Corleone, nem de seu filho, vivido por Al Pacino em O Poderoso Chefão.

Boa gente, folgadão, namorador, era um boa vida - que eu saiba, aos cinquenta anos, quando resolveu se aposentar, não havia se casado, nem tinha tal intenção.

Como eu, era diretor de arte em publicidade, e também trabalhou em várias agências.

Mas de vez em quando lá se ia sua bonomia, como quando seus caminhos se cruzaram com os do Gigante.

Numa crônica anterior, falei de um sócio de editora, que virava fera ao primeiro gole, e tinha uns dois metros de altura. Pois esse era fichinha, perto do Gigante.

A primeira vez que eu o vi, obstruindo a porta de nossa sala com seu corpanzil desmesurado, fiquei pasmo.

Teria talvez uns dois metros e trinta, mas não só era alto, como esculpido em proporções ciclópicas, como os Atlantes que sustentam os portais do Teatro Municipal.

As mãos gigantescas, os braços de guindaste, as pernas dois caules de sequoia firmemente plantados no solo.

Suas feições também eram grosseiras, como de um pitecantropo, os supercílios salientes de gorila, o maxilar de um urso. Punha medo, mesmo, à primeira vista.

Não sei o que ele representava - uma fábrica de bebidas, talvez – e, mesmo a contragosto, quase todo mundo era obrigado a provar uma amostra de seus destilados, e tinha gente que fazia encomendas só de puro medo.

Nas agências de propaganda, havia muitos desses vendedores, já conhecidos da casa, que entravam livremente para vender seus produtos. Livros de arte, gravatas, tintas, pinceis, discos, bombons. 

Mas o Gigante era certamente o mais persuasivo, por sua aparência, e o jeito um "tanto" ameaçador de impor suas vendas. Nem sempre fizera isto: antes, fora assistente de estúdio, também trabalhara em propaganda. Creio que foi na J. W. Thompson, então na Rua Bela Vista, perto do Pátio do Colégio, que o Angelo o conheceu.

Desbocado, e sem muito desconfiômetro, o italiano deve ter tirado umas da gigantesca cara do Gigante, que não era mesmo muito inteligente. Depois, ele tinha um posto mais elevado do que este. Mas era só o posto, já que na estatura...

Um belo dia, o Gigante não aguentou. Sua fúria despontou, também gigantesca, e foi então uma cena como de Ulisses e o cíclope Polifemo: o Gigante levantou-o do solo, e como se estivesse carregando um boneco de pano, pô-lo pela janela afora, deixando o pobre Angelo suspenso no espaço, a dez andares de altura...

Não vi a cena, mas tornou-se um clássico das velhas histórias de propaganda.

Coitado do Angelo, acho que preferiria ter voltado à Sicília, jurado de morte, com toda Máfia em seu encalço...

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