sexta-feira, 2 de outubro de 2009

E por quem dobravam os sinos?

Sete da manhã. Estava acordado há tempo, mas o friozinho mantinha-me sonolento, aconchegado aos cobertores. Começa o vozerio habitual da nova e enorme construção que está sendo erguida, na esquina da rua vizinha.

De repente, o soar de um sino!

Mas, como, os sinos ainda soam pelas esquinas do Brooklin, como se estivéssemos em Roma, uma igreja a cada passo?

Não é possível, mas soa novamente. Se não é sino - e não é - bem que parece.

Não se fazem sinos, ou igrejas, como antigamente. O tocar desses históricos instrumentos não desapareceu, mas somente em algumas partes da metrópole ainda pode ser ouvido.

Sempre lembramos dos sinos de nossa infância; o da catedral de Campinas com seu toque da Ave Maria. O do mosteiro de São Bento ouvido numa rádio do passado.

Os da igreja de São Geraldo, chamando os habitantes das Perdizes para as missas matinais, tão esperadas, pois ali eu iria ver minha musa da época.

Esses sinos foram ficando cada vez mais distantes e fracos, ao ponto de dificilmente agora relacioná-los com os ruídos da cidade. Calaram-se na distância e no tempo. Os helicópteros, aviões, caminhões, motos e sirenas, onipresentes, agora são nossos chamados de despertar.

Acordamos já aflitos, de forma tão diferente de uma certa manhã em Veneza, com o inesquecível toque das sete horas no campanile de San Marco. Os pesadíssimos sinos, solenes e trágicos, anunciando aos homens a chegada de mais um dia.

Ou da noite insone num hotelzinho em Roma: o carrilhão da igreja vizinha sismava de tocar a cada quarto de hora, no decorrer da madrugada...

As igrejas, principalmente as grandes catedrais, levavam anos, séculos a ser construídas. Morriam seus engenheiros; as amantes dos papas que as haviam encomendado, finalmente os próprios papas, e a construção não terminava...

Hoje mesmo temos a Santíssima Trindade, em Barcelona, obra do genial Gaudi. Iniciada em 1882, lá se vai mais de um século. Antoni Gaudi, talvez ainda sonhando com seus arcos e capitéis, atravessou distraidamente um trilho de bonde.

O motorneiro, sonhando talvez com outra coisa, o atropelou e matou.

Não havia maquete, nem desenhos complementares, como se o bom Gaudi fizesse e refizesse a igreja diariamente, ao sabor de sua mente.

Como terminar a monumental obra? É um dilema que até hoje assombra os grandes arquitetos catalães.

E isto, que tem a ver com São Paulo, talvez digam vocês.

O que me espanta é que, ao contrário das velhas e artesanais igrejas, os nossos modernos edifícios são construídos da noite para o dia. 

Ali havia um conjunto de casinhas; uma semana depois já o arcabouço de um enorme e luxuosíssimo arranha-céu.

Novas técnicas de cimento armado, módulos pré-fabricados, e o edifício sobe como se fosse um joguinho de montar, as pecinhas de madeira de nossa infância.

E não se detém, pois os gabaritos são cada vez maiores.

Uma Torre de Babel, pelo alarido dos diversos sotaques, vozes bárbaras, em gritos, ordens e contra ordens.

Mas, a confusão é totalmente organizada, eles se entendem perfeitamente, e as Babeis se alastram, maiores e mais numerosas, cobrindo os horizontes.

Com direito até ao que parecia ser o dobrar de um sino, naquela manhã recente. Talvez eu estivesse ainda sonolento, ou a coisa estivesse mais para a música de Adoniran - o enxadão da obra bateu onze horas; vamos simbora, João...

Nenhum comentário:

Postar um comentário