sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A deusa da minha rua

Há coisas que temos pudor em citar. Afinal, sou também um cara bem casado, e adoro minha mulher, romance que se estende há 33 anos. Mas, vi colegas de site citarem as “Anitas” de suas vidas, e a ausência desses finados amores sempre presentes. 

Sempre fui um romântico, e tive muitas paixões. Algumas delas impossíveis, para o momento. Este foi o caso de Wanda. Eu morava na R. Barra Funda, quase esquina da Cons. Brotero. Dobrando a esquina, lá no outro lado, fim do quarteirão, uma casa de fachada para a rua. Mas, com um grande balcão, como se usava, às vezes , naqueles tempos, fins dos anos 50. Lá morava a família de um dentista, placa na fachada e um Citroën preto, tipo “Sapo”, sempre parado ao portão.

Vim a travar um contato mais íntimo com um dos habitantes da casa, se é que pode falar assim de uma relação platônica, e totalmente muda. Numa das vezes que meu irmão e eu descíamos da missa dos domingos, na igreja de São Geraldo, Lgo. Padre Péricles, cruzamos com uma linda adolescente loira, cabelo curto Chanel, com o rosto redondo e enormes olhos assustados. Pois precisamente em mim é que foi recair esse olhar, e fiquei atônito. Muito pobre, e tímido, meu choque transmutou-se em paixão.

Não tardou para descobrir que Wanda era um dos prósperos habitantes do sobrado com balcão, e que sua mãe, viúva, fazia parte da Orquestra Sinfônica do Estado, como violinista.
Como descobri tudo isto, não sei, pois nunca chegamos a nos falar. Mas, quando ela surgia em seu balcão, lembrava-me Shakespeare, em Romeu e Julieta – “seu balcão é o leste, e Julieta é o Sol! ” 
Eu trabalhava num estúdio de flâmulas, e às vezes deixava-lhe algumas no portão, numa tímida oferenda.

Coisa de vizinhos, minha zelosa mãe chegou a conversar com a dela. E, tocando “casualmente“ na história, recebeu a resposta - “ele precisa caminhar muito, e então veremos”. Ou seja, cresça e apareça! Mas não havia chegado meu tempo de aparecer.

Wanda era sósia, uma gêmea mais jovem, mas idêntica, da atriz americana Shirley Jones, que estrelou musicais como “Carroussel” e “Oklahoma”.
Havia grande diferença de posses, a família dela poder-se-ia dizer rica. Como disse, nunca nos falamos, e nos nossos raros encontros, de passagem, eu sempre ficava atônito e confuso, pela sua inesperada aparição.

Creio que a última vez foi quando saía do Cine Metro, e deparo com ela à minha frente, acompanhada da mãe. Que fazer? Se fosse hoje, as coisas seriam bem outras. Talvez, como o verdadeiro Romeu, eu saltasse seu balcão para raptá-la. Mas, cada tempo tem suas mazelas, e suas conquistas. Eu tinha, mesmo, muito a caminhar.

Só que estes caminhos levavam a rotas muito diferentes. Nunca mais a vi, a não ser, ocasionalmente, nas fotos de Shirley Jones, que mesmo madurona continuou muito bonita.
Alguém no site levantou a questão - “E se...”

Mas tudo é “E se...“ na vida. Temos milhões de opções, que aparecem e somem à nossa frente, por acaso. 
A cada segundo, um monte de possibilidades, para decidir-se, talvez, por uma só. As coisas são como são, o resto é especulação. Como disse César, -“alea jacta est!” A sorte está sempre lançada, e não há volta possível. Nem nada para se arrepender. Creio que minhas decisões foram certas, e sigo em paz. Não sinto a ausência da minha “Anita”.
Desculpem, leitores.

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