sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Ora, direis, ouvir estrelas...

Não, não perdi o senso, mas sinto-me culpado. Eu deveria ter voltado a um lugar tão mágico, que tanta impressão me causou, décadas atrás.

Ao soar de uma melodia suave, o sol começava a descer no horizonte da cidade de São Paulo. Era o Angelus, o fim de mais um dia na metrópole, que se achava representada na abóbada circular pelo contorno de seus prédios.

E quando ele se punha no oeste, o céu ficava gradativamente mais escuro, e as primeiras estrelas começavam a brilhar.

Quando a noite atingia seu apogeu, geralmente um ooohhh!!! se ouvia na platéia embevecida. Era a noite paulistana, não real, mas idealizada, livre da poluição e das luzes artificiais.

No centro, uma enorme aranha negra articulada: era o projetor Zeiss, com mil olhos acesos na penumbra, desferindo sua teia de rastros luminosos, que cruzavam-se no teto para formar as estrelas.

O Planetário do Ibirapuera. Quantas vezes fui lá, era tranquilo, quase sem filas. E ao fundo, uma agradável locução comentava a mudança dos astros, as constelações viajando pelo espaço, conforme variavam as estações.

E todos viajávamos juntos, como numa nave estelar. A aranha se movia lentamente, às vezes fixando-se num astro. Próxima parada, a Lua, ou Marte.

E quando o passeio acabava, seu final anunciado pelo raiar de um novo dia, ficava aquele gostinho de quero mais, tenho de voltar aqui, quem sabe agora no verão!

Lembro-me duma vez; um amigo morava na Altino Arantes, e resolvemos ir ao Parque. Descemos a rua. Não havia a 23 de Maio, o Ibirapuera, sem grades, praticamente começava ali. Passamos sob uma ponte, que creio existir até hoje, irreconhecível, e pronto: aquele imenso verde, com as espetaculares estruturas de Niemeyer estava ali, aos nossos pés.

Fomos ao tranquilo Planetário e depois ao Museu de Aeronáutica, nos baixos da atual Oca. Era quase inconcebível ir ao Parque sem ver o Planetário; quase como ir a Roma e não ver o Papa.

Os tempos, os costumes... um belo dia o prédio foi fechado. Disseram que o projetor se desgastara, a construção pedia reformas. E anos e anos se passaram.

O Planetário já se tornara nostalgia, cartão postal meio desbotado. 

E então, não mais que de repente, ei-lo reaberto, com novo projetor. O velho Zeiss, a aranhona, possivelmente mofando, atirado às traças, entre as teias das aranhas verdadeiras, nalgum depósito da Prefeitura. 

Mas a cidade havia mudado muito; qualquer acontecimento virara megaevento, o que era simples e acessível se tornara problemático. 
Demos um tempo antes de retornar lá, esperando talvez que a curiosidade das multidões diminuísse.

Mas não, na última tentativa havia uma imensa fila, e inútil: 
só haveria lugares no dia seguinte, domingo. E teriam de ser reservados.

Desistimos. Mas, lá está a abóbada, com sua boca aberta, aguardando nossa volta, pois no seu céu, algum dia, haverá lugar para mais um, mesmo sem ser anjo.

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