sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Adeus ao Posillipo

Piscatore ´e stu mare ´e Pusillico... Ouvindo a velha canção de dialeto napolitano, lembrei-me dos tempos quando frequentávamos o Posillipo, tradicional cantina próxima a 9 de Julho.

A antiga cantina, encravada à margem duma abrupta descida da Rua Paim, como a cidade italiana que lhe deu seu nome junto a uma falésia da Costa Amalfitana, era um porto seguro de meus colegas que buscavam boa comida e preços razoáveis. 

Creio que a cantina galgou a escarpa e a fama pela vizinhança do Teatro Maria Della Costa, com seus artistas como clientes constantes. Não tardei a arrastar minha namorada para lá, e sempre pedíamos a massa da casa, o macarrão à Posillipo, com tomate, bacon, cebola. E finalizávamos com uma excelente mousse, de morango ou chocolate.

A Rua Paim, que traiçoeiramente dá uma torcida à direita, no final da Frei Caneca, é, e sempre parece ter sido, uma dessas ruelas de São Paulo que já nasceram decadentes, e mantiveram-se fieis à sua origem. 

Ali morava, ou mora, uma vez que há muito não o vejo, um amigo, o Nabil, pintor e grande ilustrador. Seu pai, libanês, tinha sido cônsul na França, ou trabalhara numa embaixada do Líbano - não sei bem a história.

Sua saída do oriente, certamente motivada pela guerra, trouxera a decadência à família, agora moradora de um velho sobradinho, à direita de quem desce, antes de chegar ao Posillipo.

Ainda assim, com a turma da agência, fomos convidados a dois ágapes árabes, com faustos de uma época melhor, talvez das mil e uma noites.

A Mama caprichava em suas esfihas e quibes, e no final do banquete já estávamos para lá de Bagdá. Perdemos o contato, mas sempre relembro deles, saudoso e curioso por saber o destino da família.

Bem, passamos pelo Nabil, então a próxima parada é o Posillipo. Os pratos generosos, o ambiente descontraído, o mesmo garçom, velho e gordo, servindo a todos com a bonomia e tolerância de quem da vida já tinha visto muito.

Mudaria o Natal, ou mudamos nós? Estamos sempre mudando, a cidade crepitante não dá muita margem, nem tempo, a grandes apegos e sentimentalismos. Vam´bora, vam´bora, olha a hora!

E assim, mudando de empregos, de colegas, os meus restaurantes também passam a ser de outras regiões. 

Raramente voltei ao Posillipo, e dele chegavam notícias por amigos ainda fieis à sua cozinha, e estas notícias eram cada vez mais alarmantes. Contou o bom Sampaio que, lá se abancando, viu um rato correr junto ao rodapé. Chamou a atenção do velho garçom, que retorquiu: “ah, não liga, não... o coitadinho já é da casa, e não faz mal a ninguém!”.

Definitivamente, Posillipo arrastava-se pela encosta em direção ao mar, para submergir para sempre.

Houve ainda uma tentativa de salvação. Foi transplantado para onde era o Gioconda, nas imediações da Avenida São Gabriel. Mas era tarde demais, e não sobreviveu a essa manobra tão radical.

Logo depois, soube que fechara, apagando assim mais um marco da velha São Paulo. Os pescadores das delicias do Posillipo tiveram mesmo de ir cantar em outra freguesia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário