sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A 120 na 23 de Maio

Olhei para o lado do passageiro. Britto estava lívido, agarrado à alça do teto.

- Estou muito rápido? Eu diminuo...

- Não, menino... está tudo bem, disse com voz trêmula.

O mostrador da Alfa marcava 120, e eu voava através da 23, ultrapassando todo mundo.

Eram tempos mais amenos, embora meu modo de dirigir não demonstrasse tal. 

Não havia limite de velocidade na grande avenida, e o trânsito era menor, embora sempre intenso.

Estávamos em 1974, pois hoje tal façanha seria impossível, sob qualquer hipótese...

Britto era um dos sócios da agência de propaganda, na Rua Veiga Filho, e tínhamos ido a Moema para ver umas fotos de modelos. Nesse meio tempo, minha namorada dirigia-se à agência para me esperar. Tínhamos combinado um cinema.

No fotógrafo, as coisas atrasaram, modelos não compareceram, e comecei a ficar inquieto.

Já o Britto parecia estar curtindo muito, para ele a saída da firma era uma pausa nos seus afazeres rotineiros. Estava de ótimo humor, apesar dos contratempos. Até colocar os pés no carro.

Decidiu voltar, enfim, mas ainda queria tomar um chope no Winduk, que naquele tempo ainda ficava na Avenida Ibirapuera. Consegui dissuadi-lo, e enfim, toca a retornar, ele muito a contragosto.

E a Márcia me esperando! Quando consegui entrar na 23 de Maio, pisei fundo no acelerador. Hoje jamais faria uma coisa dessas, mas, como disse Rubem Braga, éramos jovens!

O carrinho roncou nos seus 130 hp, e para horror do pobre Britto, nuns vinte alucinantes minutos estávamos em Higienópolis. Paramos no pátio da firma, abruptamente.

Ele quase baqueou ao sair, e depois vim a saber que tinha horror de velocidade, quando não era o motorista. Sempre procurava ficar no banco traseiro. E não tinha sido o caso.

- Que pena, disse eu, brincando. Se soubesse disso, teria caprichado mais um pouco!

Ah, insensato coração... poucos anos depois, a 23 nunca mais seria a mesma.

E nem eu.

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