sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Dr. Jeckill e Mr. Hide

Publicitário sofre! Trabalhei em muitas agências, algumas das maiores de São Paulo e do Rio. E quanto maior, mais aumenta a disputa por dinheiro, poder, prestígio. A concorrência com outras agências torna-se uma guerra entre nações.

Talvez por isto muitos donos, ou diretores, fiquem tão neuróticos, ou mesmo enlouqueçam. Entre muitos que conheci, marcou-me especialmente a figura de um deles.

Quando o conheci, ele era diretor de criação de uma grande agência nacional, e eu, um jovem diretor de arte, promissor, mas ainda pouco experiente. Seu mau humor era temido por todo o pessoal e o ambiente bastante desagradável, quando ele lá estava.

Infelizmente coube-me acompanhar umas fotos de moda, num sábado.Tudo correu bem, e acreditei que o resultado fosse agradar, até mostrar-lhe as provas em preto e branco.

Por estar trabalhando num sábado, ou por outro motivo, o homem estava com a "macaca". Olhou as fotos enfurecido, babando de ódio. Vociferava desaforos, como - "nunca vi tanta falta de imaginação na minha vida!" Saí dali arrasado.

De tão surpreso, não conseguira reagir à violência da agressão. E ainda faltavam as fotos em cores, que viriam na segunda. - Caramba, pensei - se esse miserável repetir a bronca, vou dar-lhe um murro e peço demissão, mesmo sem destino e dinheiro! Nunca passarei outra vergonha destas na vida!

Segunda feira, mostro-lhe a fotos coloridas, e ele achou tudo bom. Vá se entender! Assim, permaneci mais dois meses ali, mas só pensava em sair. Finalmente, pintou uma proposta de outra agência, e me demiti rapidamente.

Muitos anos se passaram. Passei por outras agências e tive, creio, uma carreira bem sucedida e premiada. Chegou a hora de me aposentar. Vi-me sem emprego, e considerado "velho" para os padrões das agências atuais, com criadores na faixa dos vinte anos.

Toca o telefone, e era meu antigo algoz. Há vários anos era do dono de agência, ia indo bem e queria que trabalhasse com ele.

Aceitei, apesar das advertências de amigos - "o cara está muito neurótico; fulano, que você vai substituir, saiu de lá após chegar às vias de fato com ele!" - Bom, respondi, estou desempregado. Se brigar com ele, volto pra rua, onde já estou, e pronto.

E assim trabalhei lá por dois anos. Demo-nos relativamente bem, foi um bom período, e tive tempo para entender melhor o cidadão. No fim do ano fez-me acompanhá-lo na escadaria de saída, e cobriu-me de elogios, dizendo ser uma felicidade contar comigo e outras coisas mais. Despediu-se com um grande abraço, e ele estava a ponto de chorar. Nunca outro patrão tinha me ofendido tanto e depois elogiado assim.

Compreendi então o que era a ciclotimia, a personalidade bipolar, que sem aviso, leva a pessoa da euforia ao ódio e à depressão. Na minha frente estava um exemplo vivo dessa disfunção cerebral. Nunca se sabia quem estava ali, Jeckill ou Hyde, o bom médico ou o monstro.

Conviver com pessoas assim é andar numa montanha russa, e chega uma hora que não se tem mais paciência para isso. Há alguns anos saí de lá, mas ele continuou me estimando, e de vez em quando, chamava para um trabalho extra.

Por sorte, nas vezes que fui, era o Dr.Jeckill quem estava presente, e era só gentilezas. Mas, nunca se sabe o mal que se esconde no coração humano. Quem disse isso? O Sombra, com certeza, sabe!

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