sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O Gato que Ri

E o gato continua rindo.
Não havia engano possível: ali no luminoso estava o nome, bem claro - Le Chat Qui Rit.
E para tirar qualquer dúvida, no cálido pátio interior, coberto por ramos de videira, a tão conhecida foto do gatinho, sorrindo de sua cesta.
O que era estranho era o lugar: o nome estava em francês, mas a cidade era Veneza.
Tínhamos ido lá para o festival de cine publicitário, 1983. Agora, varados de fome, Márcia e eu caminhávamos pelo labirinto de ruas escuras, ouvindo atrás de nós o estridente ruído do guarda noturno fechando as portas corrediças de todas as lojas... E restaurantes!
Tudo se apagava. De repente, um brilho acolhedor: estava aberto, e cheio de gente.
Le Chat Que Rit, o único lugar para se comer em Veneza, àquelas horas.
Mas por que tal semelhança com o restaurante do Largo do Arouche?
Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, isto é, o Gato?
Não soubemos, mas naquele instante revivi o tempo em que, dez anos antes, O Gato Que Ri era um dos lugares que mais freqüentava, naquele pedaço.
Era uma casa muito simples, e concorrida. As paredes, em taboas escuras, a carinha do Gato encimando o portal, com um dístico embaixo: Qui se mangia sano.
Mais uma vez, outra língua, e desta vez, italiano. Qual era, afinal, a do Gato?
Comia-se bem e barato ali; meia porção de carne brazada e massa e estávamos conversados. 
Depois afastei-me da região, e perdi o contato com o velho restaurante.
Tive, tempos atrás, notícias funestas: uma sua dona teria sido assassinada, num assalto.
Ou que a comida já não era mais a mesma. Ou que teria fechado. 
Seja como for, o Gato tem mesmo sete vidas, e sobreviveu a tudo isso.
Voltamos lá, não faz muito. Agora mais formal e pomposo, mas a comida ótima e abundante, e muito bom de preço. Na saída, apanhamos um cartãozinho, idêntico ao que tínhamos trazido de Veneza.
O Gato continua, meus amigos, e rindo a toa, o que é muito bom, quando tantos restaurantes marcantes desapareceram.

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