O ano se esgota, mais uma vez. Apressado (o amigo Nivaldo declarou que no meu ritmo, a Páscoa seria celebrada antes do ano novo), faço como as pessoas que já se acotovelam na 25 de março, ou compram frutas e brinquedos importados antes que o dólar estoure de vez.
Então, vou fazer, como no conto de Dickens, uma invocação a um fantasma do Natal passado. Confesso, como disse a música, que eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...
Como podem, pergunto hoje, as crianças crerem num ser tão absurdo, vestido de pesadíssimo manto vermelho (invenção da Coca-Cola), percorrendo céus tropicais para, numa só noite, antes fosse, presentear a garotada do mundo todo?
Mas talvez essa crença não seja tão ridícula diante de tantas outras que temos mundo afora. Pelo menos o bom velhinho nunca ordenou uma Jihad, as Cruzadas, nunca queimou ninguém numa Inquisição.
Pelo contrário: em sua origem, segundo uma lenda, era Bispo de Mira, na Turquia, que virou famoso e santo por distribuir caridade aos pobres e às crianças.
São Nicolau... Para os americanos, seus maiores divulgadores pelo mundo, seu diminutivo, Santa Claus, ou só Santa, como intimamente o chamam. “Tá boa, Santa?”. Bom, acho que não é por aí...
Para nós, não sei como, chegou sua versão francesa, derivada do Pére Noël. Como se aqui tivesse sido estabelecida La France Antartique...
Divagações natalinas à parte, eu, pecador, me confesso novamente: eu acreditava em Papai Noel. Não era uma crença vã, pelo contrário. No Natal, rendia juros e dividendos em forma de presentes - embora, muitas vezes, bem modestos.
Não éramos ricos. Nossa festa, quando íntima, era simples. Mas enquanto minha vó Sebastiana viveu, quase todo fim de ano o Natal era o grande acontecimento familiar no sobradinho 272, na Rua Albuquerque Lins, defronte ao Cine São Pedro.
Armava-se na sala imenso pinheiro autêntico, com neve de algodão em guirlandas, e sempre as mesmas e enormes bolas de vidrilho colorido. Nem sempre, pois às vezes, alguma se quebrava no processo. O perfume de pinho era inesquecível! As máscaras da fachada do São Pedro escancaravam ainda mais suas bocarras!
Para alimentar mais nossa ilusão, um belo Papai Noel mecânico, precursor dos milhares que hoje são vendidos na 25, nos sorria e acenava de seu trenó, deslumbrante na sua vitrine da casa que levava o seu verdadeiro nome, a São Nicolau, na Praça do Patriarca.
Mas estávamos crescendo, meu irmão e eu, e já estava ficando vergonhoso, nessa idade, acreditar em tais fantasias. Então, num Natal do final dos anos 40, morávamos em Tietê e nossos pais decidiram acabar com a farsa e contar-nos a verdade. Ficamos desolados. Papai Noel não existia, o Natal nunca mais seria o mesmo. Mudaria o Natal e nós também!
Era tão grande nossa decepção que eles ficaram meio constrangidos e arrependidos de tal confissão.
Foi então que aconteceu o milagre! Juro que é verdade, e os ouço como há tantos anos: justo nesse momento, uma charrete passou pelas estradas vizinhas do sítio, e seus guizos tilintavam na noite mágica. Então, era tudo verdade, ELE existia mesmo e, como diria José Simão, cumpria sua heróica e mesopotâmica missão de distribuir seus presentes pelo mundo!
Aliviados, nossos pais se desdisseram: “estávamos só brincando!”. E continuamos por um pouco mais na nossa santa ingenuidade.
Sim, amigos, Papai Noel, fora desse grotesco contexto comercial, que desvirtua todo o sentido do Natal, o bom São Nicolau de seus primeiros tempos, ainda existe. Ou pelo menos existiu, por alguns instantes, naquela quase esquecida noite de Natal, faz tanto, tanto tempo.
Há 8 anos
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