sexta-feira, 2 de outubro de 2009

No fio da navalha

Cortei o meu barbeiro.

Não foi uma decisão fácil. Afinal, há vinte anos ele me cortava. Vinte anos já torna qualquer um quase membro da família.

Hoje, poucos casamentos resistem a tanto tempo.

Não era grande barbeiro, mas meu cabelo não exigia muito trabalho. O maior era o de manutenção, pois se nunca foi muito abundante, está agora cada vez mais escasso.

O problema é quando se começa a confundir as estações: amigos e negócios não se misturam, e ainda menos barbeiros, munidos de navalhas e tesouras.

Enfim, vinte anos são vinte anos, e ele pediu-me algum dinheiro emprestado. Logo vi que não teria condições de honrar a dívida, e ainda pretendia pedir mais. Aborrecido e com pena, afastei-me.

Ficar sem barbeiro, após tanto tempo, é como ficar no mato sem cachorro, na hora da onça beber água; é como ficar numa sinuca de bico, enfrentando o Carne Frita, mesmo com vinte pontos de vantagem na bola três.

Longe vão os tempos em que um fio de barba equivalia a uma declaração por escrito, com firma reconhecida e sacramentada no cartório. A barba e o cabelo crescem, e este, ainda por cima, cai. Enquanto não cai de vez, arranjar novo barbeiro é uma das mais difíceis tarefas do mundo atual.

Até voltar a sentir confiança, ter certeza de que não te deixará careca, ou com a cabeleira do Hermann Monstro, é uma bela empreitada.

Noutros tempos, as coisas eram mais simples. Voltemos cinquenta anos atrás, e pousemos numa pequena barbearia. O local: Rua Barra Funda, quase esquina da Albuquerque Lins, a dois passos do então Cine São Pedro.

Uma portinha, um barbeiro, talvez dois. No ambiente, objetos agora dignos de museu: as cadeiras reclináveis Ferrante; uma grande esfera metálica, para a assepsia das toalhas; navalhas Solingen; a maquininha elétrica de aparar; a tira de grosso couro para afiar a lâmina.

Só faltava o mastro colorido, giratório, ao lado da porta, como víamos nos filmes americanos ou pinturas de Norman Rockwell, nas capas da revista Post. Mas aí já seria querer demais!

E não tinha conversa, embora esta seja das características mais atribuídas aos Figaros: tinha-se de escolher entre três ou dois tipos de corte, como o aparado e o americano.

Este faria sucesso mesmo em nossos dias, pois cabeça era quase toda raspada, ficando um chumacinho de topete. Correspondia ao "Crew Cut", o corte dos fuzileiros navais, daí, provavelmente, o nome "americano".

Eu cortava, mas não saía contente. Talvez quisesse um corte à Elvis Presley, ou James Dean, o que já requeria outro nível de barbeiro, e de cabelo. E, para finalizar, sempre havia a famosa frase: "Árco, tárco ou vérva"?

Passaram-se tantos anos, e continuo, quase sempre, a sair insatisfeito do barbeiro. Cortado aquele do início da história, tentei outro, frequentado por meu filho.

Mas é um cabeleireiro de jovens, e como bem notou um internauta, os rapazes ou usam o cabelo do jeito que saem da cama, ou raspam tudo, como condenados.

Quando ele ficou indeciso quanto às costeletas, e perguntou se diminuía ou deixava assim, optei por isto. Mas, quando mais tarde vi no banheiro, o estrago fora feito; na incerteza, tinha-as deixado divididas em duas, e nem tentou disfarçar.

Assim não dá, tenham a Santa Paciência.

Procura-se um barbeiro. Procura-se, desesperadamente, um bom barbeiro.

Simples, honesto; não precisa ser falante. Até prefiro que fique quieto. 

Que tenha paciência comigo e meu cabelo; não queremos encarar um Sweeney Todd, o sinistro personagem vivido por Johnny Depp, cuja maior habilidade era degolar seus pobres clientes.

Um bom barbeiro é fundamental, e espero que não seja caro.

Afinal, hoje em dia caminhamos todos no fio da navalha.

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