Há muitos e muitos anos atrás trabalhei para a Editora Outubro, na Rua da Mooca.
Já disse isto antes, não é novidade. E nosso estúdio para a feitura de histórias em quadrinhos era no Prédio Martinelli. Nada de novo, também. Até a primeira crônica que escrevi falava justamente sobre ele.
Mas tudo era muito pitoresco para mim, iniciante no desenho, profissionalmente, e na vida, amadoristicamente.
Nada mais singular para um início de carreira; subir as escadarias do velho prediozinho de tijolos, e ser atendido por Jayme Cortez, conceituado desenhista da época, que fazia a direção de arte da empresa.
E aí passar sob seu crivo, atento e irônico.
Ele sempre estava ocupado com desenhos; era quem fazia a capa das numerosas revistas Capitão 7, Arrelia e Pimentinha, Mazzaropi, Carequinha e Fred, Oscarito e Grande Otelo, Bolinha, o primeiro personagem do astuto Mauricio de Souza e, finalmente, as do nosso setor: as de terror, que estavam mais para terrir - Histórias do Além, Histórias Macabras e outras.
Cortez, lisboeta vindo ainda muito jovem ao Brasil, onde começara a ilustrar na Gazeta, era um gozador. Seu sócio Miguel Penteado, também grande desenhista, era mais sério, solidário e condescendente com os principiantes, mas Cortez pegava pesado.
Até que tive sorte, ele gostou de meu trabalho à primeira vista. Sabia que eu tinha muito a aprender, mas podia deslanchar. Outros não foram tão felizes assim, ou seu desenho não prometia muito, mesmo.
De vez em quando se enganava; não pôs muita fé em meu amigo Shimamoto e este, rapidamente, tornou-se um dos maiores ilustradores do Brasil, ou já o era antes, só que não sabia.
Mas, em alguns casos, era rápido e mortal: lembro-me de um que lhe levou uma grande página, com maus desenhos, mas logo de entrada, uma enorme e rebuscadíssima assinatura. Como fosse de Picasso, ou do publicitário Zaragoza. Enfim, coisa de gênio, a tal assinatura.
Cortez não perdoou: - o "TÍTULO" está bom...
Um outro veio-lhe também, com seus precários desenhos, e isto deixou o português novamente incomodado. Olhava e esfregava o polegar no indicador, indeciso - está faltando... está faltando...
- Falta alguma coisa, Seu Cortez, perguntou o ingênuo candidato.
- Falta TUDO, fulminou o luso!
Falarei também do setor de heróis. Havia o Vigilante Rodoviário, desenhado por Flávio Colin, além do já citado Capitão 7, ilustrado por Shimamoto e Getúlio Delphim.
Ao contrário do patrulheiro Carlos, Ayres Campos, o protagonista do Capitão 7, era frequentador assíduo da editora.
Simpático e falante, era uma alma simples, fanfarronesca, que adorava exibir os bíceps.
Tinha sido campeão de luta livre, mas, decadente, surgiu-lhe uma boa oportunidade com a série da TV Record. Certa vez, talvez atendendo a um desafio, ou por simples exibição, atirou-se do alto da Ponte Grande às águas, já muito poluídas, do Tietê.
Saiu dali todo imundo, de fezes e lama, mas triunfante. Acho que, no fundo, ele acreditava ser mesmo o Capitão 7. Insistia com Getúlio, seu desenhista mais constante, que o fizesse mais bonito do que era. Uma figura, e a editora tinha tantas...
Vendiam-se muitas revistas, na época, e as tiragens eram altas. Enfim, um bom negócio, que acabou pela perda de critério dos editores, que começaram a negligenciar o trabalho e partir para farras e dissipações.
Um dia, estava tudo terminado, e coube a alguns dos artistas a tarefa de reviver tais memórias. Afinal, de uma editora com revistas de Super Heróis, os maiores de todos tinham sido eles mesmos, mal pagos e subestimados.
Mas, se ali se pagava pouco, pelo menos era divertido...
Há 8 anos
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