Noutro dia, comentei sobre os sapatos da juventude. Pobres sapatos, que se acabavam em dois tempos. Hoje falo sobre algo correlato, as roupas dos tempos difíceis.
Estavam, mesmo, complicados. O salário de meu pai não era lá essas coisas. E embora doutor, era um funcionário público, sem mordomias, nem mensalões. Outros problemas acabavam se refletindo nas necessidades da casa, e particularmente, de um adolescente estudando num colégio de elite em Campinas, e bem na fase de descobrir as garotas.
Mas, com que roupa? Lembro-me de um único paletó, de mescla indefinida,
e das terríveis calças. Minha mãe, ansiosa para contribuir naqueles tempos duros, fez umas calças brancas, ou quase, de saco de aniagem. Essas eram nossas roupagens para enfrentar o impiedoso mundo dos colegas mais afortunados, e se eu não desenhasse bem, já naquela época, seria um dos bodes expiatórios da turma.
Certa vez, ao tomar o bonde Bosque, que me deixaria a duas quadras de casa, perto do Bosque dos Jequitibás, saltei do bonde andando ao chegar ao local.
Esse costume era ponto de honra, na época. Mas caí de mau jeito, rasgando o joelho da “elegante” calça. Acho que aí meus pais deram um jeito, pois não lembro mais de ter usado semelhante coisa.
Como aconteceu com os calçados, desenvolvi uma fixação por boas roupas, ao chegar a São Paulo, e começar a ganhar meu suado dinheirinho.
Era a época dos grandes magazines.
-Você precisa de uma roupa nova? Lojas Garbo tem...
-Ducal, o primeiro nome em roupas...
-Basta ser um rapaz direito para ter crédito na A Exposição...
-Casas José Silva...isto para não falar na Liquidação do Mappin:
-Mappin, venha correndo, Mappin, é a liquidação!
Que fim terão levado essas grandes cadeias de lojas? Se não me engano, uma Ducal ainda era encontrada, há algum tempo, na Brigadeiro, quase esquina com Humaitá...
Já no tempo de nosso estúdio no Prédio Martinelli, embora o dinheiro ainda fosse pouco, eu estava a caminho do que Rubem Braga, em “ O Conde e o Passarinho” citou como sendo “Ein Eleganter Mann”...
Meu amigo Shimamoto, numa reunião dos desenhistas da época, em 91 - depois eu conto a pitoresca história -, declarou: - o Saiden não tinha um tostão no bolso, mas combinava um terninho com uma gravata e assim enganava as menininhas!
Era uma época de bem vestir, mesmo que você não tivesse crédito na Exposição. Paletó, gravata, às vezes até abotoaduras. Ainda mais que um de nossos vizinhos era o alfaiate João Dias. Alfaiates, hoje raros, não faltavam na época. Lá pelas bandas da Barão de Itapetininga haviam muitos, inclusive a Sartoria Minelli e a Camisaria William, tudo sob medida.
Depois entrei para a publicidade, e ali, sim, tinha-se de andar como manda o figurino. Isso durante alguns anos. Quando comecei em Criação de Propaganda, esse rigor entrava em desuso, dando lugar às roupas esportivas. Prenunciava-se a era hippie, os criativos eram agora caras descolados, de longos cabelos, calças boca de sino, chinelos e bolsão a tiracolo.
Mas os tempos duros me haviam marcado, então sempre mantive certa compostura. Mesmo hoje, aposentado, tenho um bom guarda roupa, embora tenha doado muita coisa. Mas, nunca se sabe.
Às vezes, uma apresentação mais formal, uma festa, recentemente uma ida a Buenos Aires, onde se pode ainda vestir como se estivéssemos na entrada da antiga Galeria Califórnia, vendo passar as garotas flutuantes de vestido tubinho e cabelos armados com Bom Bril. Provavelmente rumando à idílica Confeitaria Vienense, naqueles idos anos 60.
Há 8 anos
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