Observo bem: pode-se dizer que está em boas condições. Não, não falta nenhum dente. Não estão muito desalinhados, nem tortos. Na frente, lê-se, ainda, perfeitamente, Flamengo. E atrás, Carioca.
Então é isto, um pente Flamengo da Flex-a Carioca, que o fabricava. Não sei por que falei disto com um amigo virtual. E ele então me cumprimentou duplamente: por ainda guardar essa raridade, já mesmo uma relíquia, e por ainda ter cabelos para usá-la.
Nada de tão notável, um pobre pente de plástico, que décadas atrás era comprado em qualquer farmácia, camelô ou tabacaria. Mas agora as tabacarias, com poucas exceções, só parecem existir num poema de Fernando Pessoa.
Lembro-me de muitas que havia em São Paulo, ali pelas ruelas próximas ao Prédio Martinelli. Talvez ainda existam raridades que vendam raridades, numa região ainda de chapelarias, engraxates, lojas de carimbos, capas e sombrinhas, ou mesmo galochas, tudo de um passado próximo, mas bem remoto. Ali, o que não se deteriorou, virou folclore.
Não sei quando o comprei; devo ter comprado vários de uma só vez. E nem era meu preferido: gostava mais dos pentes de osso, que também se tornaram escassos. Mas aí está o pente Flamengo, com uma flexibilidade que não desmerece seu nome de marca.
Já andou por mil lugares, dentro e fora do Brasil. Encarou com galhardia minha distração, que o deu por perdido inúmeras vezes. Mas sempre achava um jeito de voltar, esquecido que fora num bolso, ou caído atrás de um móvel. No fim, sempre me espanto: eis o velho pente aí de novo!
Resistiu a tudo, o mesmo não acontecendo com um outro exemplar da mesma época que, apesar de sua maleabilidade, perdeu uns dentes, e a última vez que foi visto servia para cofiar os abundantes pelos de nosso gatão.
Talvez não tenha suportado tal humilhação e sumiu, ficando o que tenho agora como uma espécie do Último dos Moicanos.
E não tem substituto: outros pentes de plástico, atuais, logo se mostraram quebradiços e precários, de uma falsa dureza de arrancar o couro cabeludo.
Fiel como um cão, meu velho Flamengo parece disposto a me acompanhar até meus últimos dias, ou até quando restar um único fio de cabelo.
Há 8 anos
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