Quando viemos de Campinas, encontramos aqui uma situação bem diversa.
Lá ficou o majestoso “Culto à Ciência”, colégio dos ricos e bem nascidos, que como tempo ficariam ainda mais ricos, predestinados para tal desde o berço de ouro.
E de fato, as notícias que tive, recentemente, dos colegas mais chegados, foram notáveis: um, desembargador do STJ; outros dois, luminares da medicina campineira; outro ainda, arquiteto e no terceiro mandato como prefeito de Mogi-Guaçu. Aliás, este foi o único a dignar-se a responder a mim, seu colega pobre dos bancos escolares. Eu lhes havia enviado a crônica que escrevi para este site, ”Amarcord" e acho que a maioria não gostou, pois satirizava os professores da tradicional instituição, orgulho da cidade.
Para meu irmão e eu, a luta seria bem diferente. Nosso pai morrera muito jovem, deixando algum dinheiro, que se esgotaria rapidamente, se não achássemos meios de subsistência.
Mas era necessário continuar estudando, e tínhamos de ser práticos. Conseguimos vagas num pequeno e quase desapercebido colégio perto de casa, o Presidente Roosevelt, ou Colégio de Aplicação, na estreita rua Gabriel dos Santos, que desce de Higienópolis para a Olímpio da Silveira.
Seus alunos correspondiam ao prédio; no curso noturno, eram obscuros habitantes da Capital, muitos deles já trabalhando, e tentando no estudo uma melhoria da vida.
Não havia ali tempo ou lugar para exibições de moda, como em Campinas, ou grandes farras. Nos filmes que vemos sobre os estudantes americanos, estes dividem-se sempre em “loosers” (perdedores), discriminados e inferiorizados, e os “winners”(ganhadores). Estes os ricos, belos ou atléticos. De vez em quando um “looser” enlouquece, pega em armas e sai matando seus colegas mais afortunados.
No Roosevelt não havia nada disto. Eram todos, por princípio, democráticamente “loosers”, e se quisessem passar a vencedores, seria necessário muito esforço e trabalho. Então não havia discriminações, só o fato de estar ali já significava ser um lutador anônimo, e a sorte estava lançada. E eram todos homens, as moças estudavam de dia.
Alguns professores eram bons, outros mais fracos. E mais uma vez, o sucesso dependia muito mais do estudante. A rua também compunha o ambiente: escura, arborizada, em grande parte residencial.
Um misterioso clube noturno, sobrado bem próximo do colégio, quebrava o clima. Uma grande vidraça, velada por cortinas creme.
Mas com discrição, tudo à meia luz, e pouco se sabia dali, mesmo porque eram proibidas coisas assim perto de escolas.
Quando saíamos dali, uma parada na pastelaria do outro lado da avenida, ou como certa vez, uma cervejada no boteco próximo, para desafogar. Diversões também modestas, e lembro que na minha estréia de bar, com pouca bebida, amarrei um fogo de ficar vendo o teto do apartamento girar como helicóptero.
Como festa de formatura, a turma foi comer uma pizza, perto da Pça. Marechal. E, filho ingrato, nem voltei para apanhar o diploma.
Meus colegas perderam-se na vida, continuando em sua maioria anônimos. Nelson Batista, Nelson Sasaki, Guilherme Isola Neto, Mauro Ramos, Kazuo Ueta, o Ferrara, que tornou-se coreógrafo de televisão... encontrei-me ainda algumas vezes com Batista, amigo mais chegado, mas depois a luta da grande cidade nos afastou, e não mais o vi, nem consegui contato.
O coleginho continua lá, tímido e encolhido quase na esquina.
E embora não saiba mais seu nome, tenho certeza que prossegue na sua discreta tarefa de forjar mais trabalhadores. São Paulo, como a fornalha simbólica de “Metrópolis”, não consegue parar. Sua goela mecânica sempre escancarada, abocanhando, triturando, Baal sedenta de sacrifícios humanos.
Há 8 anos
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