sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O Pai do Amigo da Onça

Conheci Péricles Maranhão poucos meses antes de sua morte.
Estávamos, então, em 1961. Jovem desenhista, eu fazia parte de uma pretensa e pretensiosa associação, que, sonhávamos, iria promover 
a nacionalização das histórias em quadrinhos no Brasil.
Nosso mercado sempre foi dominado pelos americanos - e agora também pelos japoneses, com seus mangás, verdadeiro tsunami inundando todo país. 
Sempre foi uma concorrência desleal, pois os grandes sindicatos internacionais, distribuindo suas cópias quase de graça, dizimavam - e agora mais que nunca - o trabalho individual dos artistas brasileiros.
Com raras exceções, em que alguns, com grande tino comercial, souberam vender bem seu peixe. Mas voltemos ao nosso estúdio no Martinelli, que tornou-se o centro de resistência nacionalista, contando com 
o discreto apoio de Jânio Quadros. Fizemos chegar nossas reivindicações até ele.
Todo dia recebíamos repórteres, assessores, profissionais, amadores, picaretas, gente de toda espécie. Trabalhar foi se tornando impossível. Entrevistas para jornais e TV, idas para cá e para lá, e tudo isto sem carro, nem dinheiro...
Um desses convites foi para o programa Brasil 61, comandado por Bibi Ferreira, com produção de Manoel Carlos. Isto na TV Excelsior, canal 9, na Nestor Pestana. Encomendaram-nos, como cenário, grandes páginas de quadrinhos em preto e branco.
Nós do Martinelli viramos uma noite inteira para fazer esses painéis, trabalho que jamais foi pago, como fora prometido, pela emissora.
No dia do programa chegou uma comitiva de desenhistas cariocas, que tinham os mesmos objetivos. Entre eles, Péricles Maranhão, o autor do Amigo da Onça.
Péricles, simpático, amável e muito calado, vestia, como um ator da Ópera do Malandro, terno de linho branco e tinha o bigodinho de seu famoso personagem. Tinha um toque de melancolia, que depois iria se explicitar.
Fomos recebidos por Bibi, que fez uma série de recomendações, mas esqueceu de uma: de como deveríamos entrar em cena. Então, foi muito engraçado, pois entramos de lado, mas com os rostos voltados para 
a platéia, com se fôssemos velhas pinturas egípcias, com suas poses características.
E aí, aplausos e gargalhadas do público!
Discursaram Maurício de Souza, pelo nosso lado, e o demagógico carioca José Geraldo, líder da turma de lá. Com toda confusão e falta de objetividade que tínhamos, não é que a lei de nacionalização foi aprovada?
Mas por pouco tempo: dias depois, Jânio renuncia e não se fala mais no assunto.
Quanto ao pobre Péricles, também duraria pouco. Solitário e triste, fechou as janelas, ligou o gás e não viu o ano de 62 despontar no horizonte.

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