O Ayrton foi o cara mais divertido que já conheci numa agência de propaganda. Era o palhaço da turma. Simpático e bem vestido, à primeira vista, ninguém o diria. Mas logo seu rosto, como de borracha, contraía-se em caretas surpreendentes, e não dava mesmo para levar a sério.
Gozava com todo mundo; era produtor de TV, mas a sua real ocupação era inventar brincadeiras com o pessoal. Colocava sacos com talco sobre as portas, de modo que a pessoa que abrisse ficasse toda empoeirada. Organizava os disputados torneios de pebolim, na hora do almoço.
Montou um cineclube após o expediente, onde vi muita coisa boa, inclusive Cidadão Kane, de Orson Welles, O Silêncio e Morangos Silvestres, de Bergman. Mas nem sempre tal nível era mantido, de vez em quando era mesmo uma fita pornô, em preto e branco.
Havia outra brincadeira, na qual pedia a um ingênuo para equilibrar uma moeda na testa, de modo a tentar derrubá-la num funil colocado abaixo, para ver se a moeda passava. Mas o funil estava tampado, e quando o coitado baixava a cabeça, recebia um jato de água do recipiente.
Fora isto, era sério e competente em sua função, que exercia com dignidade, coisa surpreendente no clima de corrupção, caixinhas e "bolas" que imperava entre os produtores da época.
Mas sua principal característica eram habilidades extraordinárias; vertia lágrimas na hora que queria; soltava fumaça pelos ouvidos e bolhinhas de saliva pelo nariz.
Generoso, dava carona aos colegas pedestres, que iam para seus lados. Entrávamos na sua DKW e seguíamos 9 de Julho afora, pois eu ia ficar na altura do Planalto Paulista. Nesse trajeto, passávamos pela Praça 14 Bis, onde a réplica do avião de Santos Dumont decorava seu canteiro central. O bom Ayrton proclamava então, com sua voz parecida com a de Ronald Golias: - Praça 28!!!
Essa grande figura já passou para o andar de cima, mas a praça ficou sendo, para mim, para sempre, 28. Mesmo desfigurada, com viaduto e passarela no meio, sem avião, não tem importância: é Praça 28, e acabou.
Há 8 anos
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