sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A hora do lobo

Acordei, estremunhado.

Eram 3h20 da madrugada. A Hora do Lobo, segundo Ingmar Bergman.

É a hora em que mais pessoas morrem, em que acontecem mais nascimentos. 

Hora de lobos e lobisomens, hora de fantasmas trôpegos pela noite, de ETs entrando pelas paredes, para abduzir pessoas.

Hora, enfim, de estar numa boa cama, e não de levantar sobressaltado.

Da sala, o telefone bramia. Em seguida, da secretária eletrônica, uma voz abafada e angustiada: - Mamãe, Mamãe!

Minha mulher ficou apavorada: - É a voz de nossa filha!

- Calma, disse eu. Ela, bem casada, está em seu apartamento, no sono dos justos. Isso aí é golpe!

Fomos ao aparelho, que se calara. No BINA, um número de celular estranho, nunca ouvido.

E assim tomei conhecimento, ao vivo, desse maldito trote do sequestro. Quanta gente entra nele, ou os malandros não repetiriam, exaustivamente, sua dose de veneno.

Sempre ouvimos falar disso, mas quando a coisa é pessoal é que se sente o impacto. Imagine-se o terror de quem entrar nessa conversa fiada. Inda mais se tiver um filho na balada.

Uma vez ligaram à minha sogra, dizendo que o telefone estava grampeado e ligado a uma bomba, que explodiria caso ela desligasse. Devem ter tirado tal ideia de algum filme B de Hollywood.

Mas ela, que, apesar da idade, nada tem de boba, desculpou-se: - Sinto muito, não entendo nada de telefone, não estou ouvindo bem. Estou muito velhinha, vocês liguem numa hora em que minha filha estiver... e fim de papo.

E foi só isto. Uma das vantagens da grande cidade é que, se ela cresce absurdamente, somos obrigados a crescer juntos.

Para malandro, malandro e meio. Pena que isto traga, como sempre, sempre mais desconfiança e medo entre as pessoas.

Por isto, os vizinhos têm medo de cumprimentar, embora se esteja morando há tantos anos no mesmo lugar. Por isto, todos carros querem tomar a dianteira, ser mais "espertos" que os outros.

Quem não é amigo, inimigo é.

Assim, meu caro Bergman, já falecido, discordo de você. Hora do Lobo não é mais às três da manhã. Aqui em São Paulo, eles estão soltos, o dia todo. Vinte e quatro horas de plantão.

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